Desde 1984
Márcio Passos
02 de Agosto de 2019
Os limites da solidariedade
Não é a primeira nem a segunda vez – e certamente não a última – que me constrange a notícia de grave enfermidade de uma pessoa conhecida, nem tão amiga, mas também não tão distante.
Na grande maioria dos casos câncer, esse inimigo tão temido por todos nós e sobre a qual a ciência e a medicina avançam em demorada vitória.
Desde a adolescência tenho difícil relação com a doença e amargas lembranças de sua cruel vitória sobre a vida. Já foi muito pior e, acredito, com o passar dos anos a venceremos. Hoje, ainda, sua presença nos surpreende negativamente e nos coloca frente ao espelho para reconsiderar todos os valores da vida.
Perdi amigos, muitos amigos e centenas e mais centenas de conhecidos que foram surpreendidos pelo diagnóstico do câncer, bem como tantos outros que a venceram e reencontraram o prazer e o sentido da vida.
Acabo de saber que um conhecido bem próximo de minha amizade teve diagnosticado câncer na próstata e passará por uma intervenção cirúrgica. Já o encontrei por pelo menos duas vezes, ele não me confidenciou seu desafio e não tive coragem de tocar no assunto.
É o respeito ao limite da individualidade de cada um que me calou a boca no limite da solidariedade. Não é a primeira vez que isto acontece. Até onde podemos ir sem constranger quem queremos abraçar, solidarizar, confortar e fortalecer?
Mais uma vez voltei para casa com um abraço não dado, uma solidariedade não prestada e uma lágrima retida no canto do olho. Não pela gravidade que nem sei se existe e nem mesmo pela surpresa que o câncer nos reserva, mas pela nossa incapacidade de nos revelar solidários, vencidos que somos pelas circunstâncias sociais e pelo medo de nossas ações não serem plenamente aceitas e compreendidas.
Que a naturalidade da vida me leve para a morte no tempo e na forma que tiver que ser. E se for levado ou eu vencer uma doença grave e traiçoeira como o câncer, que meus amigos, conhecidos e mesmo aqueles desconhecidos se aproximem desde a primeira hora e me confortem com um abraço. Sem lamento, sem desespero, sem excesso de choro, mas como uma saudação ao que vivi e o reconhecimento de que a morte é a exaltação máxima da vida.

() Márcio Passos é jornalista e fundador do A Notícia
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