Desde 1984
Márcio Passos
21 de Fevereiro de 2020
Conflitos de Carnaval

Tenho um amigo que dá conta de tudo o que acontece na cidade. Não faço a mínima ideia de como ele consegue, mas sabe da vida de todo mundo. Volto e meia ele me aparece com suas novidades.

Foi ele quem me contou um caso engraçadíssimo que teria ocorrido na cidade durante o último carnaval. Maria e André estavam casados há quatro anos e tinham um filho. Ela professora e ele comerciante. Viviam aparentemente bem, sem algum comportamento que fugisse da normalidade da média costumeira em uma cidade com características daquela. Ela trabalhando e cuidando da casa e da família, ele cumprindo seu papel de marido e pai de família. Queridos pelos vizinhos, prestativos e sérios, formavam um jovem e vistoso casal de bem com a vida.

Na semana que antecedeu o carnaval, Maria decidiu aproveitar o final de férias para viajar e visitar a mãe no Vale do Jequitinhonha. O marido André não quis ir. Sabe como é que é, né? Comércio tá ruim e o melhor é não facilitar, já que no final do mês as contas não esperam. E lá se foi a inocente Maria e o filho, morrendo de dó do coitado do marido trabalhador.

No sábado passado, na casa da mãe, ela recebe um telefonema do marido querendo saber quando seria o retorno. “Uai, volto amanhã como ficou combinado, querido”, respondeu ela sem perceber qualquer alteração. E cumpriu. No domingo antes do almoço, ela desceu no Terminal Rodoviário e estranhou a ausência do marido. Pegou o ônibus coletivo e tomou rumo de casa. 

Quase não se aguentou de pé, quando percebeu o que havia acontecido. André abandonara a casa sem deixar um pé de meia para trás. Levou tudo que era de seu uso pessoal e nem um bilhete se explicando teve o descaramento de deixar. Maria procurou os vizinhos. Ninguém viu nada e de nada sabiam. Telefonou para os amigos, conhecidos, colegas de trabalho e nada. Ninguém dava notícia. Maria trancou a porta do apartamento, colocou o filho dormindo na cama e se acomodou na poltrona da sala tentando entender o eu estava acontecendo.

Lembrou-se do primeiro beijo, os desencontros do início de namoro, as cenas de ciúme e a paixão devastadora. Relembrou os presentes, as viagens e o casamento. Onde ela havia errado? Ele só podia ter arrumado outra e a culpa era dela. Ele a teria abandonado por quem? Qual sirigaita se envergonhou para o lado dele sem que ela percebesse? Seria gente conhecida, amiga da onça ou mulher que ela nunca viu? Maria não suportou o aperto no coração e caiu em prantos chorando o fim do que ela acreditava ser eterno. Adormeceu vencida pelo cansaço e pela tristeza.

No dia seguinte, acordou com a campainha tocando. Desfigurada pelo sentimento de abandono e pela ressaca moral, Maria abriu a porta e deu de cara com Alfredo, colega de trabalho de André. Ela pensou no pior e pediu quase gritando: “pelo amor de Deus, me conta o que está acontecendo”. Sem meias palavras, Alfredo abaixou o olhar e simplesmente disse resumindo o assunto:

- André pediu para dizer que depois de um grande conflito interno ele decidiu assumir seu lado feminino e é uma decisão sem retorno, porque ontem ele desfilou na avenida de shortinho e brincos, como sempre sonhou.

Maria continua recusando-se a acreditar, mas desde o domingo de carnaval que não sai de casa com medo de encontrar o ex-marido desfilando por aí.


(*) Márcio Passos é jornalista e fundador do A Notícia

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