Desde 1984
Breno Eustáquio
19 de Março de 2021
A ignorância que mata

Talvez uma das lições mais notórias da pandemia de Covid 19 até agora seja que a ignorância é o componente mais letal para a fórmula deste genocídio que assistimos no Brasil. Estamos nos aproximando de 300 mil mortos e passaremos fácil essa barreira, pois em um ano de Pandemia a economia piorou, o desemprego cresceu, o prestígio do Brasil caiu no exterior, a pobreza subiu a patamares nunca antes observados na história nacional. E para agravar ainda mais a situação, viramos um “laboratório” de mutações que tornam o novo coronavírus cada vez mais letal.

A conta da equação da morte tem uma modelagem matemática cujo fator ignorância, difícil de ser visto por alguns, responde muita coisa. O Governo Federal, que tem a pior gestão da pandemia no planeta, ignorou a vacina na sua fase de elaboração. Apostou num tratamento precoce que até estudante de pré-vestibular duvida e segue perdido num caminho de estoques monstruosos de Cloroquina e mendicância internacional por imunizantes. Governadores, prefeitos, deputados, juízes e afins graduaram-se da noite para o dia em imunologia, biologia, infectologia, medicina e estatística. Diante da ingerência do Ministério da Saúde, que jamais assumiu uma liderança que se preze, ignoraram a ciência e passaram a dar interpretações pessoais, sob pressão de uma classe burguesa temerosa da fome. É fato que a economia precisa fluir, mas ignoraram também o fato de que os lockdowns se aplicam a situações muito específicas. É como aquela injeção de benzetacil: dói até a alma, mas é um recurso extremo e inevitável no tratamento de certas infecções. Não é algo como uma aspirina que se toma todo dia ou por muito tempo.

Então, a solução seria reabrir tudo de uma vez? Não. A solução, talvez, fosse considerar que uma quarentena, como o nome sugere, dura no máximo 40 dias e não 365... E pelo visto serão muito mais. O Brasil precisa parar de ignorar a realidade e começar a agir com medidas que de nada adiantarão. A grande questão é vacinação em massa com lockdown. Muito pouco adiantarão medidas restritivas com flexibilização de distanciamento social sem imunização massiva. Estamos no meio de uma tempestade severa em que não se pode sair na rua. Mas nosso nível de consciência coletiva é tão fraco, que uma parcela significativa do povo simplesmente não respeita. 

Tenho visto brigas homéricas nas redes sociais envolvendo questões como “É preciso salvar a economia”, “Lockdown sim”, “Lockdown não”, “Fora Bolsonaro”, “Bolsonaro Genocida”, “Lula Ladrão”. Mas tenho visto muito pouco movimento por “Vacina Já”. O Brasil tem recursos, tem universidades, tem conhecimento, tem tecnologia, tem força internacional (por enquanto) para mobilizar uma rede planetária de ajuda para mudar isso. Certamente podemos construir laboratórios em semanas. Há recursos. Mas, cadê a mobilização? Cadê a pressão do povo para resolver isso de vez? Trezentas mil vidas não são qualquer coisa. São 300 mil histórias, amores, trabalhadores, cidadãos que sucumbiram a essa Pandemia diabólica e que está longe do fim.

Precisamos agir rápido para não fazer o inferno de um ano ficar permanente por aqui. Do jeito que as coisas andam, e o Brasil já virou um pária no meio acadêmico internacional, analistas acreditam que a Covid 19 será eliminada de boa parte do mundo e continuará endêmica por aqui, assim como acontece com a dengue, que mata milhares de pessoas todos os anos porque não temos a capacidade de nos mobilizarmos socialmente para impedir que haja água parada para a reprodução de um mosquito. Atenção, cidadão: deixe a ignorância de lado e colabore! O Brasil precisa de você. 

E para não ser taxado de terrorista, na nossa história, temos exemplos de ações bem sucedidas e que podem servir de inspiração para contornarmos essa crise. O Brasil foi uma das primeiras nações do mundo a erradicar a poliomielite (a paralisia infantil). Temos, contraditoriamente, o melhor sistema de imunização do planeta (que agora está com problemas por ingerência política). O Brasil cassou patentes e peitou o mundo para criar um coquetel de combate ao HIV e o resultado é que temos um dos melhores programas de prevenção e tratamento a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e de graça na rede pública. Só para se ter ideia, um teste de HIV nos Estados Unidos custa, em média, 50 dólares (250 reais). No Brasil, é de graça no posto de saúde referência de qualquer cidadezinha. 

Já passou da hora de deixarmos a ignorância de lado e cobrarmos ações, além de, é claro, agirmos como pudermos. Ninguém vai morrer de fome por ficar em casa por 15 dias se cada vizinho puder compartilhar uma xícara de arroz e outra de feijão. Mas tem que ter vacina para todos imediatamente. Se não reduzirmos as contaminações, muita gente vai continuar morrendo. A tragédia está aí, escancarada. Quem dera fosse igual um golpe e caísse quem quisesse. Nesta equação da ignorância, o resultado tem sido muita morte de gente indefesa.


(*) Breno Eustáquio é professor universitário


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