Em resposta à consulta de um partido político, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), agora, no final de agosto, endureceu a regra quanto à proibição do uso do celular na cabine de votação. Na verdade, o uso do aparelho na hora de votar é proibido desde 2009, quando foi acrescentado o art.91-A na Lei das Eleições.
Porém, o TSE permitia, até então, entrar com o aparelho desligado. A diferença agora é que, ainda que desligado, o eleitor deverá deixar o aparelho com o mesário antes de votar. Até porque, a cabine de votação é indevassável, e seria difícil para o mesário, à distância, detectar se o eleitor usou ou não o aparelho na hora de votar.
Todo esse rigor tem razão de ser. No Brasil, o voto é secreto desde 1932. Em que pese a liberdade de manifestação do pensamento, na hora de votar, não se pode filmar ou fotografar o voto, porque essa possibilidade quebraria o seu sigilo, garantia constitucional de grande importância para a democracia. No mundo digital de selfies, storys, status e likes, a regra pode parecer uma censura, mas o bem maior a se resguardar na hora do voto é a liberdade de escolha do eleitor, e é por ela que o voto deve ser secreto.
Mas nem sempre foi assim no Brasil. Na época da República Velha (1889-1930), os coronéis mandavam seus jagunços acompanharem seus eleitores para garantir que lhes fossem fiéis na hora de votar, e ganhava-se a eleição o candidato que tivesse o apoio dos coronéis mais poderosos. É fato que hoje não temos mais coronéis, mas ainda assim o sigilo é importante, afinal figuras coatoras ainda existem aos montes, como milicianos, líderes religiosos despóticos, maridos e pais violentos, chefes autoritários etc.
Se em nome da liberdade de expressão fosse possível registar o voto pelo celular, muitas pessoas seriam coagidas na hora da escolha de seus candidatos, e teriam que apresentar provas à pessoa coatora mediante a filmagem ou fotografia do seu voto. Não podemos esquecer também da vergonhosa prática de compra de voto, que hoje é duramente penalizada pela lei. Os candidatos corruptores iriam exigir a prestação de contas do eleitor, que poderia ser feita com o registro do voto. Se com a simples promessa a compra de voto ocorre, imagina se tivesse como comprovar em quem se votou?
Outra situação nociva que poderia ocorrer com a possiblidade de se registrar o voto é a disseminação em massa de vídeos amadores instigando supostas fraudes no processo eletrônico. Com uma simples montagem digital, vídeos sensacionalistas causariam rumores e descréditos infundados no resultado das urnas.
O fato é que o eleitor que vir a filmar ou fotografar o próprio voto cometerá um crime eleitoral, de quebra do sigilo do voto, que já existe desde 1965, cuja pena é de detenção até 2 anos (art.312 do Cód.Eleitoral). A regra não é nova, remonta à época em que o voto passou a ser secreto no Brasil. O que mudou foram as formas de se violar esse sigilo, já que hoje o celular, a qualquer hora, está na palma da mão de qualquer pessoa, exceto do eleitor na hora de votar.
(*) Hortência Carvalho é chefe do Cartório Eleitoral. Instagram: @hortenciacarvalho2009