Desde 1984
() Elivânia Felícia Braz
02 de Setembro de 2022
Parem de nos matar!

Para hoje eu pretendia escrever sobre a importância da participação feminina nas decisões políticas do nosso país e o impacto para o nosso futuro, mas não, não foi possível.

Nossa região foi novamente assolada com duas notícias gravíssimas de violência contra a mulher, que retratam a intolerância, a misoginia e a incapacidade do homem em lidar com suas frustrações, descontando em quem? Nas mulheres, sexo frágil, criadas para serem subservientes e submissas à vontade do homem.

Por isso não é demais falar, não é pauta ultrapassada! É ainda importantíssimo, imprescindível falarmos sobre igualdade, sobre respeito à individualidade e às escolhas femininas. Sobre como nossa sociedade precisa de mudanças estruturais urgentes, sobre como o Estado precisa olhar para as políticas públicas voltadas à proteção da mulher e à educação, sobre como a sociedade civil organizada precisa se engajar mais nessa luta.

Porque continuam nos matando! Por motivos fúteis, banais, por questões relacionadas às decisões que tomamos no nosso dia a dia! Porque discordamos de algo ou porque agimos diferente do esperado pelo homem, ele simplesmente nos agride, nos mata!

Precisamos ir mais fundo, precisamos “cutucar a ferida”, descobrir a origem destas atitudes conservadoras, patriarcais, misóginas e conversar sobre isso, sobre a mulher não ser objeto, não ser propriedade de ninguém, sobre a necessidade e o direito de ter as suas escolhas respeitadas! E falar, e falar, e falar, até que sejamos ouvidas e respeitadas!

Nesta semana, a mídia local nos trouxe, com base em informações da Polícia Militar, que na terça-feira, 30 de agosto, uma jovem foi esfaqueada pelo pai que chegou em casa alterado porque ninguém havia tratado do cachorro dele. Ao tentar acalmar o genitor, o mesmo começou a agredi-la com socos e puxões de cabelo, fazendo com que a vítima corresse para a rua. Transtornado por achar que a filha estava acionando a polícia, ele pisou na cabeça dela contra o chão, desferindo várias facadas contra ela, principalmente na região do pescoço. A vítima foi socorrida por populares e pelo Sevor e encaminhada ao Hospital Margarida, não correndo risco de vida.

Já na cidade de Ferros, uma mulher de 21 anos foi morta a facadas desferidas pelo namorado, dentro da casa em que morava com o mesmo, na quarta-feira, 31 de agosto pela manhã, porque este teria acessado mensagens no celular da jovem que comprovariam uma suposta traição. Segundo consta, ele tentou se matar e foi impedido pela namorada, atingindo-a com cinco golpes de faca, na região do pescoço e no corpo. Infelizmente a jovem não resistiu aos ferimentos e morreu ainda dentro de casa.

O pai que não encontrou o cachorro alimentado descontou sua frustração na filha, e, com ódio, tentou matá-la com várias facadas; o namorado supostamente traído, descontou sua frustração na namorada, assassinando-a com várias facadas no corpo. Tentativa de feminicídio e feminicídio consumado. 

Em ambos os casos relatados as jovens foram vítimas de feminicídio tentado e feminicídio consumado, respectivamente. Mas o pai pode ser autor de feminicídio, muitos podem perguntar? Não seria só marido, namorado, noivo???? Não, a violência doméstica e familiar contra a mulher é aquela que ocorre no âmbito da família, na unidade doméstica e nas relações íntimas de afeto. Por isso, qualquer violência praticada contra a mulher nestas três esferas, âmbito familiar (parentesco), unidade doméstica (casa) e relação íntima de afeto (relacionamentos) é considerada violência doméstica e familiar, enquadrando, portanto, como feminicídio.

Assim, para se enquadrar o assassinato de uma mulher como crime de feminicídio, é necessário que o autor tenha cometido o ato em razão de violência doméstica e familiar, por menosprezo ou discriminação à condição de mulher. 

Na semana passada escrevi sobre o porquê da campanha Agosto Lilás e na minha coluna, destaquei a importância do combate à violência em todas as frentes: através de políticas públicas, principalmente educacionais, para conscientização e transformação da cultura machista e patriarcal que considera a mulher objeto e propriedade, através de ações constantes nas instituições públicas e privadas e no engajamento de toda a sociedade na conscientização de que viver em sociedade implica na necessidade de igualdade e respeito. Por que estes homens não conseguiram conversar sobre seus problemas, suas frustrações, suas necessidades não atendidas? Por que foi necessário utilizar de força bruta para expressar seus sentimentos e emoções? Onde a sociedade está errando????

Ainda como eu trouxe na última semana, infelizmente, o Brasil ainda é um dos países com maiores índices de feminicídio. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2021, uma mulher foi vítima de feminicídio a cada 7 horas, em média, no Brasil.

Importante ressaltarmos que a denúncia/ocorrência não precisa ser, necessariamente, registrada pela vítima. Desde 2012, por decisão do STF, a lei Maria da Penha é passível de ser aplicada mesmo sem queixa da vítima, ou seja, qualquer pessoa que conheça alguém que esteja sofrendo violência doméstica, pode ligar para o 180 e denunciar. A denúncia será feita em sigilo e a polícia será direcionada para investigar. A diferença do 180 para o 190 é que o primeiro serve para casos em que você sabe que a mulher está sofrendo violência doméstica, mas não naquele momento. Quando a violência está acontecendo naquele exato momento, o 190 é acionado, e é a forma mais rápida de se prestar socorro à vítima.

Fica a nossa proposição à reflexão: onde a sociedade está errando? Fica a nossa indignação: parem de nos matar! Fica o nosso alerta: a qualquer sinal de violência, disque 180/190 e denuncie!

 

 

(*) Elivânia Felícia Braz é advogada, vice-presidente da 75ª subseção da OAB/MG e presidente da AMA 

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