Na semana do Dia Internacional da Mulher, é preciso trazer à tona a dura realidade da falta de mulheres exercendo cargos públicos eletivos em nosso país.
Certa vez, atendi no cartório eleitoral, um líder de partido de nossa cidade que estava à procura de mulheres para lançar como candidatas, a fim de preencher o número de candidaturas dentro do percentual mínimo de gênero que a lei eleitoral exige. Na ocasião ele me afirmou: “- Mulher é preguiçosa para política!”
Não tive, naquele momento, a resposta certa para lhe dar, mas muito já refleti sobre o assunto. Seria “preguiça”? Desde aquele momento sabia que não era isso, mas a resposta só me veio com o passar do tempo, com o amadurecimento e a sensibilidade do problema.
Então, posso dizer que hoje entendo não se tratar de “preguiça”, mas de falta de oportunidade por falta de tempo. Vejamos. Por questões históricas e culturais, a mulher sempre teve como atribuições os afazeres do lar e a educação dos filhos. Pensando que em tempos remotos a gravidez era uma constante em todo período de vida fértil das mulheres, não lhe restava outra alternativa diferente da vida doméstica.
No entanto, com o advento dos métodos anticonceptivos, principalmente, com a difusão da pílula anticoncepcional na década de 60, cujo uso depende só da mulher, a maternidade passou a ser mais bem controlada por ela. O período coincide com a mudança do comportamento da mulher na sociedade, quando então ela começa a se dedicar mais aos estudos e ingressar no mercado de trabalho, com mais autonomia e liderança.
Toda a legislação começa a se adaptar a esta nova realidade, a exemplo do Estatuto da Mulher Casada em 1962, quando ela deixa de ser relativamente incapaz para os atos da vida civil, e da Lei do Divórcio de 1975.
Em que pese a evolução legislativa e até mesmo de costumes, ainda hoje é patente as amarras que impedem a paridade de tratamento para ambos os sexos. Nossa sociedade é fortemente patriarcal, onde na divisão do trabalho continua sendo da mulher os afazeres do lar.
Não basta aceitar que a mulher possa estudar e “trabalhar fora”. Enquanto não houver uma real divisão das tarefas domésticas em cada lar, não haverá paridade entre homem e mulher no trabalho, na política, no mercado, na vida.
A realidade está muito distante desta paridade e isso é visível a olho nu. Nas reuniões de pais, quantos são os homens presentes? Nas consultas médicas, quem mais acompanha o filho? Quantas são as mulheres que param de trabalhar quando se tornam mães? E mais, quantos são os homens que organizam o lar, fazem o almoço diariamente, supermercado dentre outros afazeres domésticos? Não que inexistam, mas ainda são a minoria.
Enquanto a ocupação com o lar e com os filhos não for dividida de igual para igual dentro dos lares, pouco sobrará de tempo para as mulheres se dedicarem com afinco em algo fora do lar.
Voltando à política, o contingente de gênero nas legendas é deficitário, daí a necessidade de se criar mais incentivos às mulheres para que sejam estimuladas a participarem deste universo. É preciso vencer assédios, violência e discriminação. A própria fala do dirigente partidário que citei comprova isso. As dificuldades são inúmeras a impedir que mais mulheres sejam eleitas. A exclusão histórica delas na política ainda é enorme, perceptível na baixa representatividade nos cargos eletivos.
O fato é que enquanto houver rastros de machismo e preconceito, não há tempo nem vida suficiente para ser esposa, mãe, profissional, quiçá política. Não é preguiça, é sobrecarga, é falta de tempo.
(*) Hortência Carvalho é chefe do Cartório Eleitoral. Instagram: @hortenciacarvalho2009