Desde 1984
Marcos Martino
14 de Julho de 2023
Nós, os véios...

Pode até parecer que não, mas ser véio não é pecado. Não é doença. Não é desesperança, não é inaptidão, não é feio, não é vergonha. Ser velho é sorte, é ter chegado mais longe na vida. Ao mesmo tempo sofrimento, pois além da decrepitude do tempo, os velhos sofrem com o etarismo. 
Estamos é vivos, ainda sonhamos, pensamos, refletimos, agimos também. E estamos vivendo mais. Como vão ter de nos aguentar por mais um bom tempo, melhor que a convivência seja amigável e respeitosa, não acham? Essas guerrilhas geracionais não levam a nada. Deveria haver mais cooperação e diálogo. Antigamente, havia algo que eu não achava legal. A juventude não tinha vez. Numa mesa, só os adultos falavam. As crianças e adolescentes guardavam um silêncio respeitoso. Reverenciavam os mais velhos, não tinham direito nem à opinião. 
Daí a humanidade evoluiu e tudo ficou mais democrático. Mas já viu aquele ditado? Dê poder a alguém e você vai conhecer a verdadeira face. A partir do momento em que o “jovem” foi empoderado, alguns passaram a achar que deveriam cortar as cabeças das gerações passadas para tomar posse do mundo. Eles pensam que dominam as tecnologias “mudernas”, que os mais velhos não sabem de nada. 
Aqui é bem diferente da tradição do Oriente, que reverencia os patriarcas e matriarcas. No Brasil pragmático, o “quanto caminhamos pra chegar até aqui” passou a não ter mais importância. Para que memórias se ficarão trancadas num museu que ninguém vai acessar? Para que tradições, para que conhecer história, se a gente pode consultar no Google? Dizem que um povo sem memorias não tem alma. Mas para que alma, num mundo onde o que vale é o consumo e a ostentação? Para que educação? Para que poesia? 
 A ordem é renovar, mudar de carro, de iphone e de caras. Que os mais velhos saiam de cena para que a competentíssima juventude assuma. Arrogância juvenil faz barulho, mas não muda muito as coisas. Vai chegar a hora da gente ir estercar algum cemitério por aí, assim como nossa insolente mocidade vai ficar velha também. É inevitável. Tomara que encontrem uma juventude mais generosa quando chegarem lá...

 

 

(*) Marcos Martino é alvinopolense, ativista cultural e compositor

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