Falar sobre Barbie é reviver minha infância quando aquela linda boneca, alta, loira, magra projetava o sonho de uma menina que queria ser aquilo tudo quando crescesse. Seria esse um sonho inalcançável? Seria a Barbie um vil projeto capitalista cujo objetivo seria instigar o consumismo e ditar um único padrão de beleza?
Há os que chamam essa Barbie de uma malfeitora da formação infanto-juvenil em razão desses estereótipos. Outros, mais conservadores, que ela inspiraria a prostituição e a vulnerabilidade femininas.
Perdoem-me os moralistas e outros críticos, mas vejo na Barbie o início de uma revolução feminina, que nascia num período coincidente com a criação da boneca, no fim dos anos 1950. Brincar de Barbie é abrir o leque dos sonhos mais pueris de uma menina para além das possibilidades da maternidade e dos cuidados com o lar.
Querer ser a Barbie é almejar possibilidades mil de um futuro promissor sem qualquer dependência masculina. E é essa visão que o filme Barbie traz da boneca mais famosa do mundo. Mas, com um toque apimentado de humor e ferrenha crítica ao patriarcado da sociedade do século XXI.
O filme escancara, grosso modo, o vergonhoso papel secundário da mulher num mundo governado por homens. Tudo bem que a Barbie estereotipada não combina mais com a contemporaneidade, cujos ativistas lutam bravamente para desconstruir o padrão de beleza europeu e mostrar a beleza de todas as formas e etnias.
Porém, pensando no período do nascimento do feminismo e da Barbie, naquele contexto histórico em que o preconceito era tido como “normal”, a projeção do futuro a ser desejado por qualquer menina, ainda que no mundo da imaginação, precisava estar dentro do padrão loiro, alto e magro de beleza da época, do contrário não seria sonho.
Mas o filme Barbie vai muito além da Barbie estereotipada, ele adentra de forma incômoda o preconceito de gênero, esfregando na cara do telespectador as mazelas de uma sociedade machista, preconceituosa e que coloca a mulher em segundo plano, pelo simples fato de ter nascido mulher.
O filme ainda nos acorda para entendermos que está na hora de irmos atrás de nossos talentos, sonhos, postos, empregos, salários, cargos políticos, poder... Não no sentido de converter o patriarcado em matriarcado, mas irmos à luta por nossa posição de igualdade com os homens, subir ao pódio juntos, promovendo-nos de coadjuvantes a também protagonistas da história de nossa civilização.
(*) Hortência Carvalho é chefe do Cartório Eleitoral. Instagram: @hortenciacarvalho2009