Desde 1984
Erivelton Braz
29 de Setembro de 2023
Mais consciência

Meu caro Doró, 

Nada contra o seu projeto que visa criar um feriado municipal no Dia da Consciência Negra, 20 de Novembro, a exemplo do que já ocorre em inúmeras cidades brasileiras. Ao contrário, do ponto de vista cultural, como celebração à memória e luta fundamentais de Zumbi dos Palmares para nossa história, vejo a proposta com a sua devida importância. 

Contudo, do ponto de vista prático, tenho lá algumas observações, as quais, respeitosamente, apresento neste espaço. Para começar, inserir mais um feriado em qualquer calendário, desagrada à elite, em sua maioria branca, dominante e empregadora. Ou seja: ainda mais pela temática, esse será mais um dia para os donos do capital torcerem o nariz para os pretos e pardos, seus empregados que estarão de folga. A luta e a relevância da data ficariam, certamente, em segundo plano.

Outra reflexão que trago à cena, nobre vereador, é a seguinte: de que vale um dia de folga, se nos demais, a batalha árdua continua, muitas vezes, sem a garantia de direitos e feridas abertas e claras à legislação trabalhista? 

Com o máximo de respeito, reitero, a importância de valorizar a memória dos negros, dos muitos que tanto fizeram por essa cidade. Sim, essa cidade foi edificada por mão de obra escravizada, na Fábrica de Jean de Monlevade. E, posteriormente, também por seus descendentes e imigrantes, na construção da Usina de Louis Ensch. Isso jamais pode ser esquecido. 

Por isso, faço aqui uma provocação (do bem) ao senhor: que tal um projeto de lei, em vez de transformar o Dia de Zumbi em feriado municipal, determinar a obrigatoriedade de oficinas, palestras e ações antirracistas em escolas, universidades e empresas do município? Além disso, estabelecer o ensino da história e importância do povo negro para a edificação de Monlevade e região. Outra coisa, é aproveitar que as escolas e Cemeis municipais estão recebendo livros de autores antirracistas e fortalecer o debate com  a participação de negros e negras de nossa cidade.  

Há muitas perguntas, vereador, que merecem respostas. E o debate sério, aliado à pesquisa histórica, poderia contribuir e muito para isso. A saber: quem foram os escravizados de Jean de Monlevade? Que tal tornar público seus nomes, visto que no chamado Cemitério dos Escravos, sequer há identificações ou mesmo lápides deles. E suas origens? De que parte da África vieram? Para onde foram os que estavam ainda vivos, após a chamada abolição em 1888? 
Vereador, que tal, por meio de um projeto de lei, inserir nas escolas e universidades locais, o trabalho sobre a história, por exemplo, das Guardas de Marujo, Família Alcântara e sobre outros negros e negras que elevaram o nome de Monlevade e região além das fronteiras? A medida, penso eu, seria para legitimar a força desses homens e mulheres que edificaram essa terra.

Além disso, seria muito importante fortalecer entidades como a Associação Monlevadense de Afrodescendentes (Amad), as Guardas de Marujo que são patrimônios imateriais de nossa cidade. Outra ação é desenvolver na cidade, ações contra o preconceito à cultura afro, culinária, religiões. 
Penso também, ser fundamental dar mais oportunidades para os negros e negras terem, sobretudo, algum incentivo para o primeiro emprego.  Falando nisso, que tal incentivar uma capacitação nas empresas, clubes, escolas e universidades sobre inclusão étnico-racial? Junto a essa, que tal um Projeto de Lei para combater o racismo recreativo (que já é crime no Brasil, inclusive), aquelas mal chamadas “brincadeiras” que são expressões e falas ofensivas camufladas de piadas?

Caro vereador Doró, esse texto, reitero, não tem a intenção de colocar preto contra preto. Isso, aliás, é o que a opressão mais quer. Dividir-nos para que não consigamos somar. Mas trata-se de uma contribuição à sua ideia. Creio que, conforme as opiniões supracitadas, um feriado a mais, não despertaria a consciência que nos é tão necessária.

Encerro a coluna com um convite para que o senhor também escreva nesse espaço e fale mais de sua proposta. Estamos juntos para colaborar para uma cidade cada vez melhor.  Um abraço!

(*) Erivelton Braz é editor do A Notícia e fundador da Rotha Assessoria em Comunicação

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