Desde 1984
Mário Ananias
22 de Dezembro de 2023
Casamento na Igreja

A maioria das anedotas retrata situações adversas para alguns, hilárias para outros. Depende do ponto de vista e dos sentimentos de cada audiência.  
Sábado quente, sol a pino e a correria natural para cumprir o horário na igreja São José Operário. É uma viagem o caminho entre os bairros Carneirinhos e Santa Bárbara até a margem do Piracicaba onde, imponente e bela, está a edificação.
Iam Seajo, jovem PcD, com sequela de poliomielite que lhe afeta ambas as pernas, é um dos que comparecem ao evento. Um grande amigo, inteligente, tímido nessa época, mas uma alma boa e que se valia de duas muletas axilares para caminhar.
Aos casamentos - sim, no plural, seriam quatro naquele dia - às 16h, acorreram muitas pessoas e o espetáculo foi bonito. Ver tanta gente ali para felicitar os nubentes. Como não fomos os primeiros a chegar, ocupamos a quarta fileira de bancos, à esquerda da nave e aguardamos o início dos ritos. 
Uma das noivas se mostrava muito apreensiva. Franzina, de aparência bastante humilde, com o vestido já não tão branco, provavelmente herança de outros enlaces na família, e sandálias de tiras largas, mostrando os maltratados e sofridos pés dos que labutam no campo.
O noivo ainda não chegara. Já eram 16h15min e as paciências começavam a se dispersar em busca das festas pós-eucaristias. Um dos noivos, também ansioso, num gesto equivocado e, talvez, maldoso, aproximou-se da jovem e inventou que seu noivo teria desistido. Não viria mais. Tudo para dar continuidade aos outros casamentos, pois já se passaram 25 minutos do horário previsto. Por sorte, o impacto não causou maiores danos à prometida, pois quase imediatamente o futuro se apresentou à porta lateral. Com ar esbaforido, coberto de poeira, justificando o atraso pela quebra do velho Jeep na estrada de terra.
Enfim, tudo pronto, começam os rituais dos matrimônios. Na liturgia católica, há momentos em que se fica sentado, de pé ou de joelhos, conforme os preceitos apostólicos. Eu, sequelado de pólio, me valho das mãos e braços para atender a esses protocolos. O Iam, nosso querido amigo, também. Porém, eu consigo me manter de pé, com o travamento dos joelhos pelo aparelho ortopédico que uso.  Ele, não.  Para ele é necessário apoio que, naquele caso, era o encosto do próprio banco de madeira.
Num dos momentos a ficar de pé, com a compenetração do pároco e dos presentes, pouco barulho, podia-se ouvir com clareza a voz do padre em sua preleção. Alguém, no banco logo atrás do nosso achou que deveria “empurrar” a mão do Iam. Aquele que ele estava usando para se manter de pé. 
Foi o suficiente. O Iam caiu no banco e rolou para o chão, num grito abafado:
-  Oh! Desgraçado, FDP! 
Impossível segurar o riso. Umas vinte pessoas mais próximas do fato precisaram, com grande esforço, se conter diante da cena e muitos se sentaram criando um “buraco” na plateia que chamou a atenção do clérigo, que perguntou o que estava acontecendo.  Mas não houve resposta.

 

(*) Mário Ananias é monlevadense, servidor público, escritor, palestrante e autor do livro: Sobre Viver com Pólio. Contato: mariosrananias.com.br/ @mariosrananias

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