Quem namoraria um sujeito sem dinheiro, coxo sem, imagino, qualquer atrativo pessoal? A pergunta, claro, é apenas retórica, pois, como se diz “a beleza está nos olhos de quem vê”; e esse conceito se confirma a cada instante porque outro ditado popular o corrobora: “quem ama o feio, bonito lhe parece”.
Numa mesa de boteco “copo sujo”, estávamos alguns amigos conversando e entre um assunto e outro veio a pergunta:
- E aí, como foi a viagem? Gostaram? Com essa chuvarada toda...
Ao que respondi: “Foi legal. Choveu, sim, um pouco, mas o lugar era muito bacana. Onde nós ficamos tinha acessibilidade, a comida era boa e o pessoal muito legal.”
A verdade mesmo, a que se estampou nos olhos arregalados da minha namorada, que apertou com força e unhas minha perna direita, talvez não fosse bem o que eu respondi sorrindo, antes de tomar mais um gole da “sodinha” Gato Preto gelada, enquanto os outros tomavam sua cerveja. Naquele tempo, eu não era adepto às bebidas alcoólicas. E a viagem, aos olhos dela, foi bem diferente.
Fizemos uma viagem curta, para uma espécie de “balneário para pessoas de baixa renda”, no interior, a uns cento e vinte quilômetros, a sudeste de BH. Era um vilarejo muito humilde, com um hotelzinho de doze quartos, seis no primeiro e seis no segundo andar, quase em frente a um pequeno lago de água corrente abastecido por uma cachoeira. Ambos muito bonitos em dias de sol, como vimos pelas fotos. Nos três dias que lá passamos, no entanto, a chuva não deu trégua. A cachoeira trouxe lama e detritos para o lago e, ademais, o volume de águas tornou o banho impraticável. Como as vias não eram pavimentadas, transitar também se tornou uma aventura até para os moradores. Tanto assim que a maioria dos turistas foram embora e alguns dos funcionários do lugar se auto dispensaram, em razão das tempestades.
Estávamos instalados no primeiro andar e o local das refeições era no térreo. As escadas eram escorregadias, sem corrimãos e mal iluminadas. As minhas sequelas de pólio me insuflavam a acreditar que fazer um regime alimentar, descendo uma única vez por dia para comer era uma excelente opção em contraponto à possibilidade de uma perigosa queda, sem chance de atendimento médico tempestivo.
Durante a estadia, procurei ser o mais carinhoso e compreensivo possível diante do mal humor irascível da minha divina companhia, que se mostrava totalmente arrependida e estressada por ter sugerido aquele passeio, cujo propósito inicial seria um descanso, um retiro para repor energias dispendidas num ano de muita dificuldade e desafios complexos.
Depois do encontro, já sozinhos, a caminho de casa, ela pergunta à queima-roupa:
- Que história foi aquela de dizer que estava tudo lindo, maravilhoso? A comida foi um desastre. O café da manhã, um horror. E a limpeza, nem se fala. Eu sei que fui eu quem sugeriu, mas, pelo-amor-de-Deus, o que você viu de bom naquele lugar?
- Simples - eu respondi – É que você estava lá!
(*) Mário Ananias é monlevadense, servidor público, escritor, palestrante e autor do livro: Sobre Viver com Pólio. Contato: mariosrananias.com.br/ @mariosrananias