Há alguns anos, aliás, décadas, fiz junto com alguns amigos um curso dinâmico com uma profissional muito competente sobre gestão e tendências para o futuro. Isso numa época em que a informática ainda não era tão popular. Ainda estávamos no basic e cobol, para se ter ideia... Entre os integrantes do nosso grupo, estava um irmão dessa consultora, um brilhante artista de BH. Acho que a principal lição que ela queria nos ensinar era uma mensagem direta para o irmão: “o artista precisa de uma vaca leiteira”.
A lição era a seguinte: a profissão do artista é instável, cheia de altos e baixos. Ou seja, nem sempre é possível contar com uma renda fixa e o artista precisa investir em algo que lhe permita pagar os boletos nas épocas de crises. É um dilema, né? A maioria dos artistas quer viver da própria arte, quer entregar para o mundo o que faz de melhor mas... o mundo nem sempre vai querer comprar o que ele produz.
Se pensarmos que a obra de Van Gogh foi rejeitada e que só foi valorizada depois de sua morte, dá para imaginarmos o tamanho do problema e do dilema. A arte pode ter uma pós valorização ou pode não dar retorno financeiro algum. Por isso, a importância das leis de incentivo, para viabilizar obras que não têm tanto valor comercial, mas tem relevância artística.
O que não dá é associar arte à miséria. Aquele pensamento de que o artista tem de ser radical e, se preciso, sacrificar a família e morrer de fome por sua sagrada arte e ofício. Isso só ajuda a alimentar estereótipos negativos dos artistas. Como se fossem criaturas marginais, que não gostam de trabalhar, nem de tomar banho, hippies caducos num mundo a cada dia mais pragmático, sonhadores com terrenos na lua...
Tem sempre aquele diálogo clichê assombrando o artista, né? Conversas do tipo:
- O que você faz?
- Sou artista!
- Não, estou falando de trabalho. Em que você trabalha?
Claro que isso chateia o artista demais e joga por terra o desejo de se dedicar ao trabalho criativo e do desenvolvimento intelectual. Muitos talentosos abandonam sua vocação porque não conseguem sobreviver de sua arte. Por isso, volto à vaca leiteira que a consultora falou.
Se o artista conseguir desenvolver algo paralelo, quem sabe vender algum serviço, ou buscar um emprego que lhe garanta uma renda certa, terá mais tranquilidade pra fazer a sua arte, sem ter de fazer concessões comerciais, sem ter de banalizar seu ofício criativo para atender às demandas do mercado.
Só para ficar em dois exemplos: Carlos Drummond de Andrade e João Guimarães Rosa. O primeiro foi funcionário público, que trabalhou a vida inteira como um burocrata do governo, mas é o maior poeta do Brasil. O segundo era médico e diplomata. Eles não ganhavam seu sustento apenas com a arte maravilhosa que faziam, mas das profissões que exerciam no dia a dia.
Por isso, meu amigo artista. Se você tem uma “vaca leiteira”, agradeça a Deus e cuide muito bem dela. Ela é que vai garantir o leitinho nas horas mais difíceis...
(*) Marcos Martino é alvinopolense, ativista cultural e compositor