O Carnaval passou e, mais uma vez, deixa lições importantes. A alegria dos blocos, baterias e escolas de samba, é um grito contra as opressões. Sobretudo, as provocadas por quem é contra essa força gigantesca da cultura popular.
Apesar dos pesares, em toda a sua essência transgressora, o carnaval triunfa. “Agoniza, mas não morre”. Mas é preciso ficar atento e não perder o que a festa tem de melhor: a irreverência, a capacidade de falar de temas difíceis de forma alegre e em protesto, além da união para elaborar sentidos de mundo e a confraternização.
Porém, segundo o professor carioca Luiz Antônio Simas o carnaval segue em ataque. Ele afirma que “os higienistas da casa grande querem eliminá-lo, os tubarões do mercado querem gentrificá-lo, os mercadores da fé querem atrelá-lo ao imaginário do pecado”.
Errado ele não está. A festa popular, nas ruas, espanta e enraivece quem não brinca. Mas qual o motivo para o pavor e a raiva? A maldade (dessa gente) está nos olhos de quem a vê. Mesmo assim, é preciso resistir e continuar. Foi o que fizeram muitas Escolas do Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro. Alguns dos mais importantes enredos deste ano, retrataram lutas e forças de povos massacrados, justamente, “pela casa grande”, citada por Simas.
A Escola Acadêmicos do Salgueiro, cantou a luta do povo Yanomami, em versos como: 'Ya temí xoa, aê-êa ('Ainda estou vivo!', em Yanomami). Meu Salgueiro é a flecha pelo povo da floresta/ pois a chance que nos resta é um Brasil cocar”. E em outro trecho “eu aprendi o português, a língua do opressor/ pra te provar que meu penar também é sua dor. Falar de amor enquanto a mata chora é a luta sem flecha da boca pra fora”.
Outro enredo grandioso, o da Portela, levou para a avenida o livro: “Um Defeito de Cor”, da escritora Ana Maria Gonçalves. A obra é um romance antirracista e que traz a história de Luisa Mahin, ou Kehinde, figura simbólica da luta negra no Brasil. Mãe do poeta e advogado abolicionista Luiz Gama, a trama emocionante reconta a busca por seu filho, décadas depois, de ter sido deportada do Brasil.
Dois dias após o desfile emocionante da Portela na Sapucaí, Um Defeito de Cor se tornou a obra mais vendida do Brasil na Amazon. “A literatura pode muita coisa, mas não pode nada sozinha”, já afirmou a escritora Ana Maria Gonçalves em entrevista em 2021. Profética.
O passado não se apaga e quando a história oficial ou as vozes das elites buscam silenciar certos temas, o carnaval os explode na avenida. Viva o Carnaval e viva suas lutas! Até o ano que vem.
(*) Erivelton Braz é editor do A Notícia e fundador da Rotha Assessoria em Comunicação