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Hortência Carvalho
14 de Outubro de 2022
50% de votos nulos anulam a eleição?

Sempre quando chega o segundo turno das eleições, nascem rumores sobre a possibilidade de se anular o pleito caso mais da metade da população vote nulo. Essa possibilidade nasce da necessidade de se dar uma alternativa aos eleitores que não se sentem representados por nenhum dos dois candidatos que disputam o pleito, quando então se hasteia a bandeira do voto nulo, de onde nasce o boato de se anular as eleições. 

Toda polêmica surge da interpretação do art.224 do Código Eleitoral quando dispõe que “se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país (...) julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição (...)”.

A nulidade a que se refere o Código Eleitoral decorre da constatação de fraude nas eleições, seja por eventual cassação do candidato eleito com mais da metade dos votos ou por comprovação de fraude em mais da metade das urnas, por exemplo. Ou seja, a nulidade que a lei traz não é a escolhida pelo eleitor, mas a declarada pela Justiça Eleitoral.

É importante que o eleitor saiba que a anulação do voto nas urnas não causa nenhum efeito no resultado final. Muito pelo contrário, é deixar na mão dos outros o direito de escolha que é dado a todos os cidadãos brasileiros. O voto nulo ou em branco não são computados como votos válidos. 

Outra dúvida que sempre surge é em relação ao voto em branco. Muitos afirmam, erroneamente, que ele ajuda o candidato “mais forte”. Antes da Lei das Eleições de 1997, o voto em branco era computado como voto válido para o cálculo do quociente eleitoral (QE). No sistema proporcional, para se calcular o QE, divide-se o total de votos válidos pelo número de cadeiras a serem ocupadas. Somente o partido que atingir esse montante consegue eleger algum ou alguns de seus candidatos. Sendo assim, o voto branco tornava o QE mais alto dificultando a entrada de candidatos de partidos com menor votação nas urnas.

Mas, desde 1997, com a Lei das Eleições, os votos em branco não são mais computados. Assim como os nulos, são desconsiderados para fins de qualquer cálculo. A urna eletrônica mantém a possibilidade de se votar em branco, com botão próprio, ou nulo, quando se digita qualquer número que não seja de algum candidato. Ambas as opções persistem por questões meramente conceituais: o voto em branco representa uma manifestação de apatia ou conformismo e o voto nulo uma insatisfação ou protesto do eleitor.

O eleitor, que é obrigado a votar, tem o direito de optar por um dos candidatos, votar nulo ou em branco. Anular o voto é um direito constitucionalmente garantido, mas é importante que essa escolha não seja em razão de uma falsa informação de que essa opção, somada a mais da metade dos votos, poderia levar à anulação do pleito.

A triste realidade é que se mais da metade da população brasileira votar nulo nas eleições, o candidato eleito estaria legitimado no poder tendo sido escolhido por um pouco mais de 25% do povo brasileiro. Irrelevante para o vitorioso e comprometedor para o Estado Democrático, em ser governado por um candidato eleito com baixa representatividade popular. Eis mais uma das distorções do sistema.

A oportunidade é dada por igual a todo cidadão para escolher nossos governantes. Votar nulo deve ser a última opção, já que a responsabilidade pela escolha deve ser de todos nós. A escolha obriga o cidadão a acompanhar melhor a gestão do escolhido, ou do vencedor, já que seu envolvimento individual através do seu voto o torna um agente político ativo que faz parte do processo democrático, e não um cidadão que por protesto se absteve de escolher os rumos da história do seu país.


(*) Hortência Carvalho é chefe do Cartório Eleitoral. Instagram: @hortenciacarvalho2009

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