Desde 1984
Marco Martino
10 de Novembro de 2023
Três Orgasmos

I

Tive insônia aquela noite. O calor tava forte e alguém cismou de botar fogo em alguma coisa perto da nossa casa. Cheiro de pneu queimado. Havia ainda uma poeira branca em suspensão, que vinha de uma indústria de calcário. Haja rinite. Sinusite e mau humor. Levantei, fiz café, dei comida para os bichos, rezei, agradeci e pedi ajuda para o dia.
Quando saí de casa para trabalhar, ainda persistia uma dor frontal. Quem tem sinusite sabe do que estou falando. Cabeça pesada. Mas eis que o sol deu uma aprumada no céu. A nuvem abriu espaço. Quando olhei para o sol, percebi o que iria acontecer. Fixei o olhar e explodi num espirro, um atchim intenso, quase um orgasmo com prazer absurdo... Cada pedaço, cada molécula, cada célula, cada átomo do meu corpo sentiram alívio, espasmos com o nariz desentupido. Depois fiquei ali admirando a manhã, a beleza em torno, a paz e perfeição absolutas. Não é preciso tanto para ser feliz!

II
Lembrei de outra noite de insônia. Eu morava numa república em BH, a República dos Anjos. Acordei numa madrugada com enorme dor nos rins. O curioso é que, antes mesmo de acordar com a dor, eu sonhava que levava um golpe de espadas na barriga. Acordei com a espada fincada nos rins. Quem já teve dor nos rins sabe do que falo. No hospital, me deram algumas injeções, a dor diminuiu, mas perdurava. 
Eu suava frio, pressionava o local com as mãos e nada de melhorar. No outro dia, a dor diminuiu um pouco, mas continuava com a sensação de querer urinar, mesmo sem ter urina para sair. Me deram chá de picão para tomar, guaraná quente... tudo que vinha eu traçava. Passei uns 5 dias assim. Tomando líquidos e forçando a micção. Até que, em determinado momento, fui ao banheiro e plinck... Vi que algo sólido saiu junto da urina... e me veio uma imediata e prazerosa sensação de alívio... Expeli uma pedra e logo me veio uma sensação de alívio, um prazer tão grande, que só quem já passou por situação parecida pode dizer: melhor que um orgasmo…

III
Aquele soldado guardava posição para defender um posto avançado, mas uma granada atingiu uma pilastra acima de onde estava, e uma grande estrutura caiu sobre ele. Depois do barulho infernal, sentiu que ficou surdo e aturdido, mas recuperou o sentido. Quanto tentou levantar, viu que estava preso sob os escombros. Não conseguia se mover. Conseguiu mexer as mãos, via a fumaça, o cheiro de queimado. Ao observar melhor, percebeu que  sua barriga estava aberta e as vísceras espalhadas por perto... questão de minutos até deixar esse mundo. Percebeu que vários inimigos se aproximavam de onde estava. Teve tempo de pegar um papel e escrever... Minha amada esposa. Meus filhos. Deixo essa vida lutando por um mundo melhor para vocês. Ele esperou os inimigos chegarem perto e puxou o cordão da granada...

 

(*) Marcos Martino é alvinopolense, ativista cultural e compositor

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