Desde 1984
Mário Ananias
19 de Janeiro de 2024
Calouros

Passar no vestibular de uma das instituições mais prestigiadas, à época, já era por si uma façanha respeitável. Conquistar esse lugar tendo feito um preparatório de apenas 14 dias, emprestava um certo glamour ao estudante vitorioso nas provas. 
As coisas não eram tão simples àquela época. O acesso às informações dependia de muita resiliência e afinco nos estudos. Sem materiais como vídeos, áudios, livros e resumos prontos na internet; sem os inúmeros aulões gratuitos; nem cursos ou tutoriais ao toque do dedo; facilidade de reuniões ou palestras virtuais. Enfim, o globalismo educacional online não existia. As mídias eram livros, jornais, revistas, televisão, rádio e cinema. E para quase todos havia um custo envolvido, nem sempre ao alcance dos estudantes. O que não implica dizer que hoje se possa adquirir conhecimento ou habilidades físicas e intelectuais por indução. As ferramentas para o desenvolvimento somente estão mais à mão.
Aqueles que nos precederam, assim como afinal nós mesmos fizemos, buscaram aplainar os caminhos, retificar arestas e eliminar espinhos aos seus sucessores. Por avaliarmos que, com uma estrada livre de empecilhos ou desafios, nossos descendentes chegariam muito mais longe, sem os cansaços e os arranhões que a trajetória nos causara. 
No entanto, a vida não tem um manual do usuário disponível; e os exercícios de adivinhação tem uma proporção de acertos próxima à chance de se ganhar na loteria. 
Os combates que enfrentamos para galgar algum status sociocultural, foram mais brandos que os dos veteranos de então e, também, muito mais duros do que aqueles que legamos aos que vieram depois de nós. 
Por exemplo, em anos anteriores, os alunos recebiam um bom lanche, gratuito e farto, nos intervalos das aulas.  Muitas vezes, infelizmente, esse alimento foi utilizado como projétil em batalhas pueris entre alunos. E isso foi um dos motivos para que esse benefício fosse cancelado. Sempre a referência dos justos e dos pecadores. Para muitos de nós, aquele lanche era a salvação do dia. 
Aquele primeiro ano de segundo grau foi um período de significativas transformações. Uma cidade totalmente nova e diferente, pessoas com formações e culturas diversificadas, interessantes ou assustadoras. E com posturas muito distintas diante das mesmas situações.  
Tínhamos à disposição a cooperativa da UFMG à qual poderíamos nos associar. Eu e alguns veteranos recepcionávamos calouros e os ajudávamos a preencher o formulário. Um dos veteranos, grandalhão e piadista, aprontava às vezes. Certa vez, presenciei a uma conversa que teve com um alegre aluno que veio se associar: 
- Por que você está rindo de mim? – Perguntou ele num tom intimidador e de cenho fechado.
- Eu não estou rindo de você, não. – Respondeu o garoto assustado e já começando a chorar.
- Não chora, não, que eu não gosto de chorões.
E o garoto sem o riso e sem o choro, olhava trêmulo e atento para o veterano que instituía:
- Não fica sério, porque eu não gosto de gente séria.
O garoto não deveria sorrir, chorar, nem ficar sério... Claro que foi bullying. Mas em 1975, não se dava a devida importância ao assédio. 
E eu mesmo já havia sido motivo de zoadas. Por minha voz grossa e pernas finas. Por meu jeito convicto e meu andar titubeante. 

 

(*) Mário Ananias é monlevadense, servidor público, escritor, palestrante e autor do livro: Sobre Viver com Pólio. Contato: mariosrananias.com.br/ @mariosrananias

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